terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Consumo de glúten: mitos e verdades

O glúten é uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e aveia, principais fontes de carboidrato na dieta alimentar brasileira.


Apesar da qualidade nutricional dos alimentos fontes de glúten, sua exclusão é necessária em indivíduos portadores de doença celíaca, uma reação adversa que envolve o mecanismo imunológico e é desenvolvida por pessoas com pré-disposição genética bem caracterizada. “Trata-se de uma hipersensibilidade alimentar mediada por anticorpos da classe G (IgG), cujo quadro se caracteriza principalmente por diarreia, alterações na mucosa do intestino e déficit de crescimento na criança. O adulto pode apresentar anemia, fadiga, diarreia ou prisão de ventre”
Evidências postulam que a restrição ao consumo de glúten é também importante em indivíduos diagnosticados com dermatite herpetiforme ou alergia ao glúten 2-5.

Ultimamente, no entanto, a restrição de glúten a pacientes que não apresentam quaisquer destes problemas vem sendo incentivada por informações veiculadas na mídia e até mesmo preconizada por profissionais da área da saúde, o que preocupa entidades de classe e associações científicas.

O Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª região (CRN-3), atuante nos estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo, promoveu um encontro científico para discutir o tema,reunindo adeptos de diferentes condutas. A conclusão foi a de que a recomendação indiscriminada de restrição ao glúten não encontra respaldo na ciência da nutrição e não deve ser praticada por nutricionistas2.


A importância nutricional da farinha de trigo

A farinha de trigo, fonte de glúten e principal alvo de quem se opõe ao seu consumo, apresenta especial relevância nutricional para a população brasileira. Nesse âmbito, é indiscutível sua importância como ingrediente de muitos alimentos básicos da dieta nacional, tais como os pães, biscoitos e cereais6,7.


Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo IBGE nos anos de 2008 e 2009, demonstraram uma elevada aquisição de produtos à base de farinha de trigo pelas famílias brasileiras. O consumo per capita de pão francês, por exemplo, é de 16,3 kg por ano, sendo que o dinheiro gasto com panificados em geral corresponde a 10,4% do valor total gasto com alimentos. No grupo “Farinhas, féculas e massas”, o consumo per capta anual é de 18,1kg7. Trata-se, portanto, de uma importante fonte calorias e nutrientes da população brasileira8


A diminuição no consumo desses alimentos – o que também tende a reduzir a ingestão total de carboidratos na dieta – pode ser considerada preocupante, pois, em geral, tal perfil de consumo está associado ao aumento da obesidade e de diferentes doenças crônico-degenerativas9-12. Isso acontece porque a redução tende a ser reflexo da substituição de carboidratos por gordura na alimentação13, 14.

A importância dos alimentos fontes de farinha de trigo na dieta brasileira ganhou importante reforço em 2004, quando o Ministério da Saúde no Brasil tornou obrigatória sua fortificação com ferro e ácido fólico. Tal estratégia visa prevenir doenças nutricionais, especialmente a anemia ferropriva e os defeitos do tubo neural15. A escolha da farinha de trigo se deu devido à ampla presença de preparações contendo o alimento na dieta dos brasileiros. O Guia Alimentar para a População Brasileira destaca, ainda, que o consumo de farinhas fortificadas é particularmente importante para crianças, idosos, gestantes e mulheres em idade fértil8.

Essa conduta também é adotada em países da África e Ásia e quarentapela maioria dos países das Américas, incluindo os Estados Unidos (EUA)16. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estabelece que metade de todo o consumo de grãos deve acontecer em forma refinada e fortificada17.

Revisões sistemáticas têm revelado que a fortificação dos alimentos – incluindo a farinha de trigo – é eficaz em prevenir o desenvolvimento de anemia ferropriva, reduzindo a prevalência da doença18-20. Além disso, a fortificação de alimentos com ácido fólico é uma importante intervenção na prevenção primária dos defeitos do tubo neural, uma vez que pesquisas realizadas em diferentes países revelaram reduções significativas, entre 16 e 78%, na prevalência de anomalias desta natureza16.

Há indicação de restrição do consumo de glúten por não-celíacos?

A literatura científica é, em grande parte, desprovida de pesquisas que tenham avaliado possíveis intercorrências do consumo de glúten em indivíduos não-celíacos. Dessa forma, não há qualquer evidência de que a restrição de glúten pode ser benéfica a indivíduos que não apresentam quaisquer intolerâncias ou problemas diagnosticados2,3,21,22.

Além da doença celíaca, não existe nenhuma outra doença que apresente uma alteração enzimática ou metabólica que justifique a retirada do glúten. “Na verdade, não é tão fácil existir alergia alimentar, pois nosso organismo é extremamente complexo e bem adaptado, resultado de uma evolução de milhares de anos, o que nos permite tolerar bem a diversidade de alimentos que temos contato por via oral, além das bactérias da microflora intestinal. Por tudo isso, se o paciente não apresentar nenhuma sintomatologia que seja condizente à alergia do glúten, a restrição é desnecessária”

Posicionamento sobre a restrição de glúten a não-celíacos

Apesar do aumento da prescrição de dietas sem glúten para amenizar sintomas gastrointestinais em indivíduos que não têm doença celíaca, não há evidências que sugiram que o glúten seja o gatilho do problema23.

Diante dessa discussão, o Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª região (CRN-3) promoveu um encontro científico sobre o tema, o qual reuniu adeptos de diferentes condutas envolvendo a questão “Quando Retirar o Glúten da Dieta”.

O encontro concluiu que a eliminação do glúten só deve acontecer mediante diagnóstico clínico confirmado de doença celíaca, de dermatite herpetiforme, de alergia ao glúten, ou quando, eliminada a hipótese de doença celíaca, haja diagnóstico clínico confirmado de sensibilidade ao glúten (também denominada como intolerância ao glúten não-celíaca)2.

Segundo o CRN-3, essa conclusão está respaldada por diversas referências e órgãos científicos2-5 e seu descumprimento oferece indícios de infringência ao Código de Ética do Nutricionista por desrespeito ao Princípio Fundamental explicitado em seu artigo 1º e pelo descumprimento do artigo 6º, inciso VI, sujeitando os infratores a Processo Disciplinar e às penalidades previstas na legislação.

Diante de tais evidências, o Conselho também determinou aos nutricionistas inscritos no CRN-3 a adoção das seguintes diretrizes quanto às recomendações para consumo de glúten:

1. A recomendação indiscriminada para restrição ao consumo de glúten não encontra atualmente respaldo na ciência da nutrição e está em desacordo com o Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar3;

2. A recomendação de restrição de consumo de glúten deve ser destinada a pacientes com diagnóstico clínico confirmado de doença celíaca, de dermatite herpetiforme, de alergia ao glúten, ou quando, eliminada a hipótese de doença celíaca, haja diagnóstico clínico confirmado de sensibilidade ao glúten (também denominada como intolerância ao glúten não-celíaca). Deve-se salientar que o diagnóstico clínico é de competência exclusiva do médico.



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