Se você é formado em nutrição, com
certeza arrepia quando escuta a pergunta que dá título a este texto.
Sim, nós nutricionistas as vezes temos medo de falar que somos
nutricionistas pelo simples motivo de não querer escutar os
questionamentos que vem a seguir: “Tô precisando tanto de uma dietinha,
me ajuda?”, “Quantas calorias tem um prato de macarrão?”, “Nossa, você
deve ficar avaliando o que a gente come no almoço né?”. Não, não e não.
Formar-se nutricionista é carregar, para o
resto da vida, o fardo de ser visto como uma calculadora biológica
ambulante. Já perdi as contas de quantas vezes na vida me perguntaram
qual era o valor calórico de um alimento, ou se era melhor cortar o suco
de laranja do café da manhã. Tudo bem, as perguntas que chegam até ai
não são um problema, faz parte do dever de ser formado em nutrição
(apesar da gente não saber de cor os valores calóricos de todos os
alimentos do supermercado, da mesma maneira que um químico não sabe
todas as informações da tabela períodica e os advogados não sabem citar
todas as leis). O problema esbarra no pedido, muitas vezes ingênuo, que
vem a seguir: “Faz uma dieta pra mim?”. Amigo, se você não é
nutricionista, mas tem um conhecido que trabalha nesta área, preste
muita atenção no que vou lhe dizer agora: montar uma dieta não é tão simples o quanto parece.
Resolvi escrever este texto-desabafo há
poucos dias, quando ouvi, num intervalo de uma única semana, cerca de
seis pedidos para montar dietas. “Isto é ótimo”, vocês diriam. Concordo,
seria ótimo se estes pedidos não fossem para “dar uma ajudinha
gratuita” a um colega que quer perder peso, afinal, “não custa nada né”?
Custa. Custa muito, e vou lhe contar porque. Da mesma maneira
que você se formou engenheiro, médico, biólogo, artista, advogado,
publicitário ou qualquer outra coisa, o nutricionista também estudou
para chegar ao título de bacharel na área. São pelo menos quatro anos de
curso, com mais alguns anos de pós graduação, mestrado e até doutorado
para quem seguiu carreira acadêmica. Por mais que eles possam ter sido
realizados em universidades públicas, este tempo custou dinheiro,
investimento em livros, em horas de estudo e em estágios, muitas vezes voluntários,
nas múltiplas áreas de nutrição clínica e produção. Quando nos
formamos, e seguimos a carreira clínica, o nosso trabalho é sim fazer dietas.
E dá trabalho ouvir todas as queixas do paciente, entender todas as
suas restrições alimentares, calcular sua necessidade nutricional e
descobrir o valor calórico das suas refeições diárias. Não se esqueça
que, além disto, temos que montar um cardápio que se adeque a seu hábito
de vida, seus horários e que tenha uma enorme lista de substituição de
alimentos, para que você não canse de sua rotina alimentar. Não, não é
só puxar uma fórmula mágica que se encontra na gaveta do seu
consultório. Você com certeza não trabalha de graça (ou se trabalha, não
gosta disso). Pois é, nós também não. E montar a sua dieta não vai nos tomar somente a uma hora de duração da sua consulta. Dependendo da complexidade do caso ela pode tomar noites e mais noites da nossa rotina em casa.
Mas não quero dizer, através deste texto,
que não fazemos alguns serviços de graça. É claro que acabamos caindo
nesta tentação logo que formamos, para ajudar um familiar ou um amigo
próximo, ou até mesmo para nos auto-promover,, e nos disponibilizamos
para fazer algo muito legal. E logo quando você dá a primeira
orientação, para que a pessoa monte um recordatório alimentar de três
dias, para que você entenda onde é possível melhorar a alimentação, é
possível ouvir a primeira restrição: “Ah, mas eu não sei”, ou a famosa
“ah, você não precisa disso né? É só uma dietinha”. Realmente, é
só uma dietinha. E é por este motivo que nós, nutricionistas formados,
pós graduados, mestres e doutores estamos aceitando ganhar mixaria para
trabalhar em hospitais ou clínicas, ou não conseguimos cobrar mais de
R$100,00 em uma consulta sem ser chamados de mercenários: porque não é
dado o devido valor ao trabalho que é reeducar a alimentação de alguém.
Nunca me esqueço da frase que uma vez
ouvi de uma professora, ainda na faculdade:
“Nunca deem de graça o único
talento que vocês podem vender”.
Fazer dietas é nosso talento. Pode parecer pouco? Talvez. Mas para nós é muito, é trabalhoso e valioso. Por este motivo, estudantes de nutrição, nunca entreguem de graça um trabalho que é seu, por mais que lhe obriguem; nutricionistas, não tenham medo de mostrar seu preço, o valor justo é o valor de seu investimento; pacientes e clientes, valorizem o profissional que você escolheu para te atender , ele é especialista em tratar o seu problema; e por último amigos, colegas de trabalho e familiares, respeitem o trabalho do nutricionista.
Se você teve a oportunidade de ganhar um plano alimentar de graça,
usufrua o máximo dele – ele não é uma “dietinha de gaveta”, mas sim um
documento extensamente trabalhado para sua saúde. Se você não teve esta
sorte, por favor, não insista – se você realmente valoriza o trabalho
deste profissional, aceite pagar para receber algo que lhe dê resultados
reais.
Não espero que este texto consiga mudar o
pensamento de ninguém.
Nem mesmo de nós nutricionistas. Só espero que
tenhamos a consciência de que, para mudar este cenário, primeiro
precisamos nos unir para mudar o que nós mesmos pensamos do nosso
trabalho.
Texto : http://batatafritapode.com/